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Especialistas alertam para compulsão alimentar entre brasileiros na pandemia

Ocorrências de ansiedade e estresse tiveram um aumento de 80% durante isolamento social. Foto: Divulgação

As incertezas impostas pela pandemia do novo coronavírus vêm provocando sofrimento psíquico e gerando, entre outros fatores, a fuga para uma alimentação desregrada e o sedentarismo. Segundo pesquisa do professor do Instituto de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Alberto Figueiras, casos de depressão dobraram entre os entrevistados, enquanto as ocorrências de ansiedade e estresse tiveram um aumento de 80% nesse período de isolamento social.

Figueiras, que coordena o Laboratório de Neuropsicologia Cognitiva e Esportiva (LaNCE), em parceria com Matthew Stults-Kolehmainen, do Yale New Haven Hospital, nos EUA, explicou que a pesquisa foi feita com 1.460 pessoas em 23 estados. A pesquisa foi feita por meio de um questionário virtual com mais de 200 perguntas, em dois momentos específicos, de 20 a 25 de março e de 15 a 20 de abril.

Os resultados sugerem um agravamento preocupante: a prevalência de pessoas com estresse agudo na primeira coleta de dados foi de 6,9% contra 9,7%, na segunda. Para depressão, os números saltaram de 4,2% para 8,0%. Por último, no caso de crise aguda de ansiedade, vimos sair de 8,7% na primeira coleta para 14,9%, na segunda coleta.

Segundo o professor, a compulsão alimentar está associada aos transtornos alimentares (um transtorno mental), uma espécie de ritual para dar conta do estresse do dia a dia. Apesar de não ter uma pesquisa relacionada a disfunção, Figueiras esclarece que os profissionais da área têm sentido aumento de atendimentos psicológicos em relação ao tema.

"A compulsão alimentar pode ser controlada com medicação e psicoterapia. Inevitavelmente, qualquer pessoa que passa por essa condição de compulsão precisa empurrar a si mesma contra aquele comportamento que está tendo. Ela precisa juntar força interna para conseguir controlar a compulsão. Porém, esse recurso nesse momento de pandemia é menor porque a gente tem menos forças para esse combate, devido ao estresse"

Alberto Figueiras, professor de psicologia na Uerj

O coordenador do LaNCE ainda esclareceu que a compulsão alimentar não tem cura e que é preciso mantê-la sob controle. Para isso, vale criar subterfúgios para lidar com o transtorno, como focar em exercícios, já que as atividades físicas aumentam o nível de saciedade.

"Pessoas compulsivas precisam de ritual para resolver sua compulsividade. Na ausência da força interna, é preciso arrumar comportamentos mais saudáveis, como por exemplo, manter a geladeira apenas com alimentos saudáveis. É preciso atenção para não substituir um transtorno por outro, como a vigorexia, que é o excesso de atividades físicas e exercícios", declarou.

A estagiária Amanda Vilela Gomes, de 23 anos, que mora no Fonseca, Zona Norte de Niterói, é uma das pessoas que foi impactada com mudanças pela pandemia, principalmente na prática de exercício físico.

Ela explica que fazia aulas circenses antes da pandemia e andava de bicicleta. Porém, precisou parar com as atividades no período de isolamento social.

"Tenho me sentido muito mais estressada. Tenho tentado lidar com o estresse, ficando mais no meio do mato, tomando sol e pesquisando receitas e cortes de cabelo na internet. Às vezes faço umas rotinas de yoga e alongamento no YouTube para tentar me manter bem fisicamente"

Amanda Vilela Gomes, estudante

Já Juliano Menegat, de 24 anos, que cursa História na Universidade Federal Fluminense (UFF), e tem um biotipo magro, contou que não está se incomodando em comer excessivamente durante a pandemia, ganhando, inclusive, alguns quilos.

"Algumas vezes passei mal por comer excessivamente. A pandemia também afetou minha rotina nas atividades físicas. Eu malhava, andava de bicicleta e lutava judô. Agora faço um yoga em casa pelo YouTube. Nas atividades profissionais também fui impactado. Estava com dois projetos encaminhados que foram adiados, um deles por tempo indeterminado."

Juliano Menegat, universitário

Outro fator que está tornando a rotina de Juliano mais estressante é o fato de ter que voltar para a casa da família, em Petrópolis, na Região Serrana do Rio, após cinco anos morando em Niterói.

Pra lidar com o estresse, o estudante conta que tem fumado mais do que de costume, além de comer bastante, principalmente a noite. Para ajudar a lidar com a pressão, ele também revela que conta com apoio de psicanálise.

"Estou tendo dificuldades em enxergar o fim da pandemia e o famoso 'novo normal'. Tive que entregar o apartamento em que eu morava devido aos custos financeiros. Isso me forçou a ficar muito tempo com minha família em Petrópolis, coisa que eu não fazia de forma tão prolongada. Um outro fator importante de estresse é o medo da violência, que eu acredito que aumentou ou aumentará devido às consequências econômico-sociais da pandemia, e pelo medo da contaminação", expressou.

Dicas

Associação lançou um manual planejando o preparo de refeições de forma equilibrada. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Para a Associação Brasileira de Nutrição (Asbran), uma alimentação saudável é primordial para manter a saúde e é especialmente importante para manter o sistema imunológico em ótimas condições.

Segundo a Asbran, 'agora que o tempo oferece uma pausa, sem trânsito, sem escolas, sem igreja, sem parques, sem bares, restaurantes ou lanchonetes, podemos refletir sobre como podemos nos alimentar de forma mais saudável'. Por isso, a Associação lançou um manual planejando o preparo de refeições de forma equilibrada.

A vice-presidente da Asbran, Daniela Cierro Ros, explica que a associação tem percebido um movimento de pessoas que estão se cuidando, produzindo sua alimentação e da família, com 'comida de verdade'.

Daniela ainda explicou que é necessário dar ênfase ao planejamento alimentar, atendendo necessidades nutricionais e individuais de hidratação também. Segundo a vice-presidente da Asbran, muitas vezes não estamos com fome e sim sede. A recomendação da ingestão adequada por dia é de 35 ml x peso atual.

Cierro ainda recomendou o consumo de frutas nos intervalos entre as refeições, além do equilíbrio das grandes refeições, compondo proteína, carboidrato, gordura, vitaminas e minerais.

"Produzam em casa comida de verdade, com ingredientes in natura. Evitem os ultraprocessados, os chamados industrializados, ricos em açúcar, gordura e sódio, conservantes, corantes, entre outros aditivos. É bom ressaltar que diversos estudos já demonstraram, por exemplo, uma associação entre a alimentação baseada em ultraprocessados e o ganho de peso. Portanto, este é o momento para promover mudança nos hábitos alimentares", contou.

Doces

As sobremesas e doces, de acordo com Daniela, podem fazer parte da alimentação, porém, com equilíbrio.

"Como nutricionistas, devemos chamar a atenção da população para a consciência preventiva, não punitiva. Não devemos adotar o terrorismo nutricional e sim apoiar pilares da saúde. Vale destacar que saúde é muito mais que a ausência de doenças. É uma tríade, aponta a própria OMS - o equilíbrio entre bem estar social, emocional e físico", esclareceu.

Impulso

O impulso por doces durante o isolamento social também foi comentado por Figueiras. De acordo com o professor, o cérebro funciona a base de glicose, que é a maior base energética. Com a sobrecarga do estresse, é comum que o corpo demande mais energia para funcionar, aumentando a vontade de ingerir glicose.

Porém, o excesso de açúcar pode desenvolver inúmeras mudanças negativas no ponto de vista físico, inclusive para a saúde mental. Por isso, Alberto indicou a ingestão de barras de cereal, bananadas sem açúcares e outros alimentos que possam substituir a vontade de ingerir doces.

"O pensamento de não se importar com o físico durante a pandemia é legítimo. No entanto, é preciso entender que o mundo não vai acabar. O mundo vai continuar. Esse tipo de pensamento está muito associado a falta de esperança em relação ao futuro. Esses exageros e pensamos catastróficos precisam ser combatidos. É importante que as pessoas se cuidem agora para que mais tarde não sofra as consequências. Quando você se alimenta bem, tem melhores indicadores na saúde mental, fica menos deprimido e menos ansioso"

Alberto Figueiras, professor de psicologia na Uerj

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